terça-feira, 25 de março de 2008

Brasil: a evolução permanece indeferida

Em meio a tanta violência me recordo agora do dia 23 de outubro de 2005, ocasião na qual foi realizada o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições no Brasil. Foi apenas um reflexo. Reflexo do que pensamos, sentimos e queremos para com o outro, em meio aos outros, em sociedade. A defesa é um direito legítimo, mas por qual motivo esta tem de ser realizada com uma arma e ou com violência? Quem achamos ser, ao desejarmos fazer justiça com as próprias mãos? Sim, pois é isso que acontece, que acontecerá, se nos depararmos com uma situação de risco e portarmos uma arma.

Em questão de instantes, ameaçados por um indivíduo e ignorando a história que o fez chegar a um ato tão extremo, suas dores, seus medos, julgamos, condenamos e agimos em legítima defesa percebendo de forma unilateral a situação. Mas o quão legítima é esta defesa? Quão preparados e equilibrados somos nós para agirmos numa situação de estresse, medo e surpresa? E mesmo que tenhamos passado por treinamento similar às forças de repressão à violência, tirar a vida de outrem? Isso é solução? Solução para quem?

Acho incrível a naturalidade com que defendemos o uso de uma arma em ambiente humano. Sabe qual é a diferença entre quem foi a favor e quem foi contra a proibição do comércio de armas? O primeiro grupo são os "mansos" e o segundo os "imprudentes". Não, os mansos não são os covardes ou conformados. São desprendidos do sentimento de revanche, mais próximos do exercício do perdão equilibrado e inteligentemente mais previdentes, pois visionam os fenômenos de forma ampla. Os mansos jamais tentariam matar o seu algoz, ou matar quem pôs fim à vida de um ente querido seu. Não de forma deliberada e intencional. Tentariam sim, impedi-lo de continuar a praticar uma ação deplorável como as que proporcionam dor, desespero e perda. E para tanto se utilizariam de meios que não tentassem contra a vida.

Matar não é solução. E acredite, se usarmos uma arma para defesa, a probabilidade de que possamos matar alguém é extremamente alta. Isso se não formos nós mesmos esta pessoa. Indo mais longe, analisemos com cuidado e provavelmente veremos que quem opta pela defesa com a arma, opta pelo egoísmo e pelo encerramento de seu sentimento de cuidado e proteção, superficial e restrito apenas aos que lhe são familiares. E os outros? Uma alternativa talvez fantasiosa, porém mais valorativa em termos humanísticos: ao invés de porte de arma, qual a razão pela qual não se disponibiliza treinamento de técnicas marciais de imobilização, de autodefesa - que não sejam mortais - para proteção em meio a tanta violência? Uma questão de cultura. Porque, mesmo em possibilidade, a solução mais fácil: matar? Vivemos, gozamos e valorizamos a cultura do Eu.

Eu, outros... Direitos. A frente pelo NÃO muito argumentou que não se poderia abrir mão de um direito. Creio ser esse, um argumento sem real fundamento. Quando me refiro a esta questão, me lembro muito das discussões sobre Ética. A respeito destas, a relatividade impera até que se chegue a um determinado valor: o respeito à vida. As ações gozam de liberdade e discussão até que se infrinja o direito à vida. Isto para algumas sociedades, visto que para outras - a nossa? - diferentes valores estão em patamar superior à vida; infelizmente ainda.

Vivemos numa sociedade e como tal, estamos sujeitos a um código de conduta. Um código embasado em pilares morais, sociais, religiosos, políticos e econômicos, ou como queiram, para resumir, cultural. E numa determinada cultura, mesmo nas pseudodemocráticas, tais leis e normas, tendem a ser estabelecidas pela maioria, seja ela quantitativa ou representativa. Um grupo que por sua vez, decide o que é permitido e o que não o é. Em conseqüência da vigência destas leis e normas, há direitos e deveres que se manifestam e outros que se quer são cogitados. Ou seja, para se viver em sociedade há de se proibir certas ações. Afinal, não pode haver equilíbrio social se todos regerem seus comportamentos pela livre e irrestrita vontade e interesses.

Por certo que a proibição, não pode ser arbitrária e privilegiar alguns em seus interesses puramente individuais, mas há de se proibir certas coisas. Não creio que cabe neste contexto, portanto o “é proibido proibir”. E proibir não se vincula invariavelmente a uma punição. Não, proibir, desde que de forma racional e criticamente esclarecida, é também educar. Na escola, na família, no trabalho, no hospital... Existem inúmeras regras que devem ser seguidas, proibições a serem respeitadas a fim de que se alcance o equilíbrio das funções e a realização dos objetivos coletivos.

E sinceramente, por mais rígida que sejam as exigências para se obter uma arma neste país, o fato de não haver o maior dos impedimentos, a impossibilidade de tê-la, abre uma brecha psicológica sem dimensões. Se, posso ter uma arma, posso legislar, julgar e executar por conta própria. Não creio que ter inúmeros 007s por ai, com licença para matar, seja a solução. É claro que com a vitória do NÃO, não teremos uma sociedade armada até os dentes de uma hora para outra, ou mesmo não teremos nunca, se levado em conta o perfil psicológico do brasileiro. Todavia, a não proibição, ou seja, a possibilidade de obtenção de um porte de arma por maiores que sejam as exigências, acaba por delegar também a inúmeros grupos a permissão de matar. E num contexto aguerrido no qual vivemos, num mundo tão competitivo e transtornado como o atual, propiciar esta possibilidade, a de executar uma outra pessoa, mesmo que por defesa pessoal, não pode ser algo produtivo.

Não, não optei pela manutenção da licitude da comercialização das armas de fogo e munições. Isso não é um direito, é uma ameaça, um caminho aterrador e desprezível. Triste e enganador. Opto pela luta diária em busca da qualidade de vida para cada um que vejo e percebo quando abro os olhos de manhã. Opto pela vigilância constante dos meus pensamentos, sentimentos e ações em busca do respeito irrestrito ao outro. Opto pelo entendimento e cobrança da evolução e prática das normas que regem uma sociedade. Educação crítica e real, emprego, arte e lazer edificante e segurança, realizada por indivíduos preparados e éticos, para absolutamente todos. Opto pelo equilíbrio e dessa maneira sim, busco a paz. Um grupo social que se vale de meios e instrumentos que podem ocasionar a morte, compreendendo esta como solução - ou parte dela - para os problemas que enfrentamos, demorará muito ainda a evoluir moralmente e, conseqüentemente, socialmente. Definitivamente, que pena, que atraso que venceu o NÃO.

**Paullo Phirmo é escritor.

segunda-feira, 17 de março de 2008

O Egun de Thomé de Souza

Eu sou Thomé de Souza!
Somente Tom para os íntimos;
eu sou o portuga que veio para destruir
e aniquilar a alma e a memória desta Terra de Vera Cruz,
futuramente conhecida por Brasil.
Eu sou Thomé de Souza!
Não tomai meu branco nome em vão, mas vinde a mim todos os Índios
de braços fortes, para erguerdes a cidade de São Salvador,
que de Sotero nada tem,
mas, trago-vos os Jesuítas para o vosso bem.
Eu sou o seu Tom!
Senhores gentis, não vos assusteis, por favor, não vos espanteis!
Como pode ser tão atrasada e primitiva a vossa cultura, já que não entendeis
que este pendurado à cruz é o nosso Deus, ou melhor, o único filho de Deus?
O que?
Quem o crucificou?
Ora, bolas, nós mesmos, pois!
Não, não vos preocupeis, muito tempo teremos para ensinardes
que tanto as vossas entidades quanto os Orixás, Inquices e Voduns nada são,
e que os vossos costumes
são limitados, ridículos e estúpidos.
Eu sou Thomé de Souza!
Não sabemos plantar, não sabemos trepar, não sabemos pensar,
não sabemos amar, não sabemos respeitar, não sabemos dançar,
não sabemos filosofar,
festejar, celebrar, caçar,
viver, sorrir, sonhar…
mas,
milhões e milhões de Africanos seqüestraremos para cá.
Sem eles nada somos, nada seremos, nada podemos!
Eu sou Thomé de Souza!
O destruidor de lares, o estuprador de mares,
e desconhecedor deste instinto chamado Amor.
Eu sou - Tom!
Primeiro administrador da miséria,
exclusão e desconforto
dos Índios e dos Negros;
à esses últimos dizíamos que não tinham Alma.
Algumas chicotadas, ou muitas chicotadas,
no lombo, na face, na bunda, na cara,
pelourinhos, forcas, estupros, maldades
-mera intimidação moral,
do contrário, poderiam voltar-se contra nós,
os grandes ‘pais’ desta Nação.
Eu sou Thomé!
Diversos tipos e qualidades de maldades organizei
para realizarmos nosso projeto de colonização
branca,
nesta terra que batizamos de Brasil;
e brasileiro, como tão bem sabeis,
foi o nome dado aos primeiros devastadores de pau-brasil;
aos primeiros madeireiros;
aos pioneiros em matéria de Crimes Ecológicos.
Eu sou Thomé de Souza!
Nunca amei nem beijei minha mulher,
nunca a tratei com respeito e carinho,
e não vejo dignidade nem vida inteligente nesse ser de saias e longos cabelos.
Eu sou Tom!
O pior e mais competente fuzil da sociedade
branca
e
RACISTA
Internacional,
atuando nestas Terras;
onde um dia o sabiá ecoará seu canto dizendo que sabia,
mas não sabe mais,
dos avanços tecnológicos Africanos,
e dos Primeiros Habitantes desta Terra
que tanto nos incomoda tomar conhecimento
e ter de aceitar quão atrasada, triste, ridícula e burra é a chamada europa.

(Inspirado em “Colombus Ghost”, do poeta Africano Mutabaruka)

-Guellwaar Adún- é educador, compositor, produtor e vocalista da Junça da Pedra Preta do Paraguassú. O Egun de Thomé de Souza é uma homenagem ao aniversário de Salvador - 29 de março.

Glossário:

Egun: Espírito, alma.Orixás: Entidades sagradas das religiões de matriz YorubáInquices: Entidades sagradas das religiões de matriz Bantu/AngolanaVoduns: Entidades sagradas das religiões de matriz Jêje/Efon.

domingo, 9 de março de 2008

Outra coisa

Não era dado a reclamar. Calado de um jeito que incomodava. Jeito de quem não faz questão, de quem não dá assunto, de quem não liga... Mas ligava! Dentro de si, remoia as incertezas que fazem sofrer todo e qualquer um, só que nele bem mais, pois calava. No portão, foi atendido com o sorriso costumeiro. Ela, mal ele entrou, já pulou em seu pescoço munida de beijos e palavras de carinho... Silêncio. Foi surpreendida com um pesar diferente. Sabia que ele não era de algazarra, consignado no seu mundo à parte, porém, naquele momento pareceu-lhe mais denso do que o de costume. O abraço que ele lhe deu, envolveu-a como polvo, chamando-a para o contato com seu corpo e buscando um encaixe perfeito. Ela cedeu ao abraço de polvo e retribuiu. Silêncio. Agitada que era sentiu-se incomodada com a inércia absoluta e, querendo um próximo passo, uma outra ação, sussurrou te amo. Ele continuou mudo em seu abraço. Ela mudou de tática. Correu os braços pelas costas largas buscando, quem sabe, uma excitação que os levariam ao escorregar pelo corredor, tropeçar nos móveis da sala e cair pelo quarto numa loucura... Não aconteceu. O abraço continuou firme, quente e estático. Não era um abraço morto, dava para sentir os sentimentos, as emoções... Mas era parado e ela cansava. Sem movimentos bruscos, nem palavras explicativas. Nenhuma manifestação externa. Só o abraço. Já incomodada, ensaiou dizer algo, mas foi interrompida com um carinhoso e longo psssssssiuuuu. Não havia o que fazer. Restava esperar pela eternidade daquele ato. Vencida, ante o colosso da situação, acolheu melhor a cabeça no ombro daquela parede acolchoada e descansou os braços que já doíam. De repente, pode ouvir o coração de seu parceiro. Batia forte. Teve uma sensação de paz e segurança no ritmo daquele bumbo. Gostou do que sentiu e começou a sentir mais do que sentia antes. Tornou-se parte daquele momento, daquele carinho, daquele corpo... Silêncio. Mas o que seria aquele abraço? Carência, perdão, despedida ou uma outra coisa? Se fosse outra coisa... A garganta secou, o rosto começou a queimar e os olhos se afundaram no peito dele. Começou a chorar compungida. Teve medo de soltar-se do abraço e não mais poder abraçar. Pensou em pedir desculpas, ajoelhar-se no chão, dizer que não era aquilo, mas faltava-lhe voz. Apertou o abraço. Ele retribuiu. Passa o tempo e a voz grave dele ecoou te amo. Ela Aliviou-se. Ficou menos tensa, mas chorava. Sorriu e entre soluços disse também te amo amor. Não era aquilo. Ele folgou o abraço, se olharam. Ele balbuciou que queria dizer... Parou e a abraçou-a de novo. Ela já não retribuiu do mesmo jeito. Agora se perguntava o que houve. Silêncio.

Helton Fesan é advogado, dramaturgo e escritor.

Atenção: Esse post foi publicado no dia 07/03, mas o Blogger 'comeu' o 'comentário'. Desculpa e muito obrigada aos nossos leitores que viram a falha e nos avisaram. Axé