quinta-feira, 26 de março de 2009

AÇÃO PÚBLICA CONTRA PROGRAMA "SE LIGA BOCÃO"

Não é possível que a sociedade organizada permita que o programa "Se liga bocão", exibido pela TV Itapoan da Bahia, vá ao ar. Hoje, 10 de março de 2009, foram exibidas cenas de tortura. Um jovem era queimado com uma faca quente, enquanto o apresentador, Zé Eduardo, dizia que aquilo serviria de exemplo para aqueles que usam droga ou não respeitam os pais. uma ação pública contra o programa "Se liga bocão", assinada por pessoas e entidades de direitos humanos.

Não é possível que se chame isso de Jornalismo, quando a essa profissão cabe a defesa dos direitos, das leis, e do público. A imprensa não pode agir acima das leis nacionais e internacionais.

A tortura é um crime, rechaçado por tratados internacionais assinados por quase todos os países do mundo.

Recentemente o presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama,
reconheceu os crimes de tortura, entre outros, cometidos na prisão de
Guantánamo, em Cuba, uma base avançada dos Estados Unidos e decretou o
seu fim, o que acontecerá dentro de um ano. Os Estados Unidos que já
foram o grande mentor e exportador de técnicas de tortura para todo o
continente americano hoje reconhece a desumanidade desse ato.

Não é possível permitir a violação constante aos direitos humanos praticada
pelo programa "Se liga bocão".

Os presidiários e todos aqueles que cometeram qualquer crime são tratados como bichos que devem ser exterminados. O apresentador faz uma apologia à pena de morte. Deve-se lembrar que o Brasil não permite, em suas leis, a pena capital. Mais uma vez ele opera acima da lei. Só não opera acima da "lei" da prática policial cotidiana: o extermínio de negros pobres, sem julgamento. Zé Eduardo emite sons de tiros, todos
endereçados a essas pessoas.

E quem são essas pessoas? No caso de Salvador, trata-se de jovens negros, pobres, moradores das periferias que cometeram algum ato tipificado como criminoso, ou simplesmente jovens negros que perambulam sem trabalho e sem formação pelas periferias. Racista, racista, racista até o último minuto.

Não é possível construir um estado sem lei na mídia, um estado que passa por
cima de todos os direitos conquistados ao longo dos últimos 50 anos. Um
programa racista, xenófobo, homofóbico... Temos que lembrar de todos os que
morreram pelas pequenas garantias que temos hoje antes de ligar a televisão
e grudar o olho um minuto sequer diante desse programa.

Márcia Guena
marciaguena@gmail.com
texto retirado do blog: http://bahiadefato.blogspot.com

quarta-feira, 18 de março de 2009

Pesquisa reveladora

(10/03/2009 no Jornal Ìrohìn)

Não sei se terá relevância para os partidos políticos e os movimentos negros a informação colhida por recente pesquisa do Ibope. Segundo a Agência Estado, “77% dos entrevistados afirmaram que votariam em um homem negro e 75% elegeriam uma mulher negra para qualquer cargo público, número maior dos que votariam em mulheres de qualquer raça”.

Segundo ainda informou o repórter Gustavo Uribe, o Ibope avalia que esse resultado é conseqüência da eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos. Senti aqui , perdoem-me, um certo menosprezo pelo fato, tomado apressadamente talvez como superficial e transitório, ou demasiadamente conjuntural.

A meu ver, a informação não é nada desprezível. Afinal, resulta da avaliação de disposições subjetivas provocadas pela exposição da candidatura Obama, ou seja, pela exposição continuada de uma imagem positiva do negro, coisa rara entre nós.

Não quero com isso alimentar nenhuma expectativa irrealista. Mas o importante não é confrontar essa predisposição com a proporção insignificante da representação política negra nos níveis municipal, estadual e federal. E concluir pela desimportância da pesquisa à luz crua da sub-representação negra.

Julgo ser mais relevante nos debruçarmos sobre as relações entre a invisibilidade do negro nos meios de comunicação, ou sua representação distorcida e estereotipada, e sua baixa participação político-eleitoral. A pesquisa aponta, inevitavelmente, para a realidade do controle das representações sociais exercido pela mídia.

Se a avaliação do Ibope é correta, ou seja, que os números favoráveis a candidaturas negras refletem tão-somente o efeito Obama, a pesquisa tem o mérito de reafirmar a importância dos meios de comunicação para os avanços da cidadania negra e para a superação de atitudes e práticas discriminatórias. E isto não é pouca coisa.

Edson Lopes Cardoso
edsoncardoso@irohin.org.br

quarta-feira, 4 de março de 2009

Editorial do "Guia do XVIII"



Nos países que foram colônias, recentemente, como o nosso, os modelos das coisas são de quase tudo é importado, porque os colonizadores catequizaram os colonizados, durante séculos, com a idéia de que eles não pensam, não sabem, não criam, para faturar com os seus próprios modelos. O modelo Theatro XVIII, diferente de todos os outros da cidade, foi criado com o objetivo, rapidamente alcançado, de unir o artista ao seu público, e vice-versa, coisa ainda rara no Brasil de hoje, e muito rara na Bahia de 2000.

De 1997 a 2009, o XVIII implantou os projetos educativos das segundas-feiras, realizou produções brasileiras de qualidade indiscutível, atuou com crianças e adolescentes, ousou no preço, alterou horários, modificou comportamentos, confrontou, criou, e construiu o público mais desigual e uniforme da cidade da Baía, de pretos e brancos, ricos e pobres, comunistas e capitalistas, eruditos e populares consumindo a sua produção de, até, 5 montagens ano, aulas de história do Brasil, lotadas, saraus sobre filósofos, poetas, pensadores, dramaturgos, romancistas, saraus instrumentais, enfim, um modelo novo para qualquer lugar do mundo, na cidade da Baía.

Mas se foi fácil criar esse modelo por causa da voracidade cultural de vocês, seus espectadores, que lotaram esse teatro nos últimos 6 meses, num Pelourinho devastado, para assistir Milagre na Baía, que lotam esse teatro desde 2000 para assistir a tudo que ele oferece, aulas, saraus, montagens, shows, certos da qualidade dos produtos e da democratização que ele imprimiu em suas ofertas, não tem sido fácil mantê-lo gerencialmente. Vocês têm acompanhado...

Agora, o XVIII-tão tem um problema, com outras instituições da cidade, que atinge diretamente o corpo do seu modelo democrático. Para que o ingresso seja acessível a todos, todos os dias da semana, e não apenas aos domingos, o XVIII tem em seu corpo funcionários e técnicos, alguns que ele preparou, contratados pelo regime da CLT, pagos atualmente por verbas do pelo Fundo de Cultura do Estado, que permite que artistas e grupos se apresentem no teatro sem pagar pautas. As Pautas são os aluguéis que os artistas pagam aos espaços, e que quando são repassados aos ingressos impedem a democratização, fazendo artistas e espectadores financiarem espaços culturais. O aluguel diário de um teatro na Baía, que apenas o Theatro XVIII não cobra dos artistas, desde 2000, vai dos 400 reais da Sala do Coro, espaço público, aos 6 mil reais do Teatro Castro Alves, espaço público também.

Em 2007, a Procuradoria Geral do Estado apontou como perigosa e ilegal a maneira como as verbas do estado são repassadas às instituições, e sugeriu que a Secretaria de Cultura não repassasse direitos trabalhistas a elas, e a Secretaria ainda não encontrou, nesses dois anos, uma solução para o problema que está, como uma bomba, no colo do Theatro XVIII. O seu modelo democratizante não pode existir sem parcerias, e é praticamente impossível conseguir patrocínio para sua manutenção física.

Daí que, o Theatro XVIII funciona, com sua programação cênica até abril, esperando uma solução para o seu problema, mantém o projeto dos Miúdos da Ladeira, com crianças, que precisam dele para protegê-los do crack que infestou a cidade, e pensa, repensa, ouve, conversa e discute a volta do seu modelo, maravilhoso e completo, sem o qual ele é um teatro como todos os outros.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Uma rapidinha em pleno domingo de carnaval

Li na coleção Caros Amigos Os Negros (fascículo 05, resistência e rebeliões II) o artigo Escravo Passivo é Lenda por Joel Rufino dos Santos, começava assim:

“Deu no jornal gaúcho Echo do Sul em 19.2.1862:

'Suicídio. Na segunda-feira suicidou-se asphixiando-se no poço da casa a escrava do Sr. José Vicente-Thibaut, diretor do colégio S. Pedro. O motivo do suicídio foi o fato dela achar-se inteiramente corroída de doenças ocultas. O Sr. Thibaut havia comprado essa escrava a menos de 15 dias n’um leilão onde lhe havia sido afiançado qu’era sã e jamais tinha sofrido senão d’um panarício (inflamação em torno da unha). Muito embora esse desengano fosse muito cruel tratou elle de sua escrava como todo o desvelo... A preta fora escrava do Sr. Dr. Menezes que a mandou vender em leilão com a declaração que não sofria senão d’um panarício; a própria escrava declarou que seu senhor a obrigava com ameaças de sova, se não fosse vendida, a declarar no leilão que não era doente. ’

Ela resolveu o seu problema num poço: deixou de ser objeto. E legou um problema para cada amo: para o Sr. Thibaut, dono de colégio, prejuízo; para o Dr. Menezes, fama de vendedor desonesto... A escravidão acabou. Mérito dos que se jogaram em poços, morreram quando era pra viver conversaram quando era para trabalhar... Escravo passivo é lenda brasileira.”

Tenho lá minhas reservas quanto ao fascículo como um todo (quero ver toda a coleção, achei esse muy fraco), mas essa já é uma outra conversa. Uma coisa é fato: negros e negras continuam lutando e resistindo. Ao abrir o Jornal A Tarde de hoje, em meio aos paetês e fru-frus do carnaval (até Camille Paglia veio para o camarote de Daniela), li um artigo do jornalista Flávio Costa que decidiu viver na pele um dia como catador de latinhas em pleno carnaval soteropolitano. Flávio (negro e rasta) passou quatro horas invisível, apesar de ser visivelmente um homem bonito. Não conseguiu sequer um sorriso da mulherada no circuito Barra-Ondina.
Nossos poços não estão mais nas casas dos senhores, ganharam formas e endereços diversos – e na maioria das vezes o poço é fundo, quando se tem fundo. As rebeliões nas sinaleiras e bairros nobres continuam mudas ou sussurrantes, já as rebeliões nas periferias da cidade são ensurdecedoras. O ‘oba-oba’ do carnaval abafa qualquer notícia; diariamente nos circuitos da festa tem alguém se suicidando num "poço", mostrando do único jeito aparentemente possível que uma mudança é necessária e que existe bem mais do que um ‘panarício’ a ser tratado. Atualizando e parafraseando o autor: Escravizado passivo é lenda brasileira.