segunda-feira, 17 de março de 2008

O Egun de Thomé de Souza

Eu sou Thomé de Souza!
Somente Tom para os íntimos;
eu sou o portuga que veio para destruir
e aniquilar a alma e a memória desta Terra de Vera Cruz,
futuramente conhecida por Brasil.
Eu sou Thomé de Souza!
Não tomai meu branco nome em vão, mas vinde a mim todos os Índios
de braços fortes, para erguerdes a cidade de São Salvador,
que de Sotero nada tem,
mas, trago-vos os Jesuítas para o vosso bem.
Eu sou o seu Tom!
Senhores gentis, não vos assusteis, por favor, não vos espanteis!
Como pode ser tão atrasada e primitiva a vossa cultura, já que não entendeis
que este pendurado à cruz é o nosso Deus, ou melhor, o único filho de Deus?
O que?
Quem o crucificou?
Ora, bolas, nós mesmos, pois!
Não, não vos preocupeis, muito tempo teremos para ensinardes
que tanto as vossas entidades quanto os Orixás, Inquices e Voduns nada são,
e que os vossos costumes
são limitados, ridículos e estúpidos.
Eu sou Thomé de Souza!
Não sabemos plantar, não sabemos trepar, não sabemos pensar,
não sabemos amar, não sabemos respeitar, não sabemos dançar,
não sabemos filosofar,
festejar, celebrar, caçar,
viver, sorrir, sonhar…
mas,
milhões e milhões de Africanos seqüestraremos para cá.
Sem eles nada somos, nada seremos, nada podemos!
Eu sou Thomé de Souza!
O destruidor de lares, o estuprador de mares,
e desconhecedor deste instinto chamado Amor.
Eu sou - Tom!
Primeiro administrador da miséria,
exclusão e desconforto
dos Índios e dos Negros;
à esses últimos dizíamos que não tinham Alma.
Algumas chicotadas, ou muitas chicotadas,
no lombo, na face, na bunda, na cara,
pelourinhos, forcas, estupros, maldades
-mera intimidação moral,
do contrário, poderiam voltar-se contra nós,
os grandes ‘pais’ desta Nação.
Eu sou Thomé!
Diversos tipos e qualidades de maldades organizei
para realizarmos nosso projeto de colonização
branca,
nesta terra que batizamos de Brasil;
e brasileiro, como tão bem sabeis,
foi o nome dado aos primeiros devastadores de pau-brasil;
aos primeiros madeireiros;
aos pioneiros em matéria de Crimes Ecológicos.
Eu sou Thomé de Souza!
Nunca amei nem beijei minha mulher,
nunca a tratei com respeito e carinho,
e não vejo dignidade nem vida inteligente nesse ser de saias e longos cabelos.
Eu sou Tom!
O pior e mais competente fuzil da sociedade
branca
e
RACISTA
Internacional,
atuando nestas Terras;
onde um dia o sabiá ecoará seu canto dizendo que sabia,
mas não sabe mais,
dos avanços tecnológicos Africanos,
e dos Primeiros Habitantes desta Terra
que tanto nos incomoda tomar conhecimento
e ter de aceitar quão atrasada, triste, ridícula e burra é a chamada europa.

(Inspirado em “Colombus Ghost”, do poeta Africano Mutabaruka)

-Guellwaar Adún- é educador, compositor, produtor e vocalista da Junça da Pedra Preta do Paraguassú. O Egun de Thomé de Souza é uma homenagem ao aniversário de Salvador - 29 de março.

Glossário:

Egun: Espírito, alma.Orixás: Entidades sagradas das religiões de matriz YorubáInquices: Entidades sagradas das religiões de matriz Bantu/AngolanaVoduns: Entidades sagradas das religiões de matriz Jêje/Efon.

10 comentários:

Efeso disse...

é ilustre o encontro da poesia com a história, ela reconta esta última dando-lhe os ingredientes faltantes: verdade e justiça.
Minha negritude regozija com este texto. muito bom.

Anônimo disse...

Porrrrrrrraaaaaaa!! Que chute na barriga!! Forte isso, forte pra caramba. Eu não sou Thomé de Souza!

Anônimo disse...

Guellwaar... não tem igual! Clap! Clap! Clap! p.s: ouvi-lo, é melhor ainda!!!

Reflexos e reflexões disse...

Viji! Belo texto. E no final, temos q comemorar o q?

Negra disse...

Surpreendente Guell. Fico a imaginar o que ainda pode escrever... Sempre encantando a alma sem tirar os pés do chão.. chão do nosso quilombo.

Anônimo disse...

Parabéns Gwell! Boa forma de denunciar, de dizer que está atento ao passado e às suas trágicas consequências.

Anônimo disse...

Salve, salve. Isso é demais pros meus ouvidos!

Anônimo disse...

Só Lu falou sobre o mal estar que o texto causa. Isso me impressionou mais do que o próprio texto. Concordo com todos sobre a 'beleza' da poesia, mas o que grita aí é que pouca coisa mudou de lá pra cá. Hoje n temos senzalas, mas temos favelas, não temos escravidão, mas temos o subemprego. Não temos mais capitão do mato matando e chicoteando, mas temos PM's e um sistema branco perverso que faz com que a média de vida do homem negro em SSA seja de menos de 20 anos. Não sinto vontade de parebenizar a cidade e nem o grande poeta Guelwar.

Anônimo disse...

Ol� Guell como poeta vc � maravilhoso adorei o texto ,mais acho q nao temos o q comemorar pois seu texto so relata q nos continuamos a viver nesse sistema filho da P*%#&

Take'Isis disse...

Todos nós temos um pouco de Tomé de Souza dentro de nós, quando libertaremos essas amarras?? Que esse egum historico assim como tanto outros deixe aos poucos o que lhe foram impregnados por muito tempo em nosssa historia... Assim como tantos "ilustres" represetantes portugueses- amém aos nossos colonizadores!E que nossos Tomés atuais sejam dilacerados em praca pública para que sirvam de exemplo. Parabéns Guell, as palavras revoltas inquietam nossas almas, assim se inicia a revolucao.