terça-feira, 28 de outubro de 2008

I N T R O D U Ç Ã O

Você já pensou na importância da introdução?

De início, esta pergunta pode parecer de resposta obvia, porém olhando mais de perto, é a introdução, uma grande injustiçada. É aquela que esta em todo livro, porém raramente é lida ou, em melhor dos casos, lida com desdém. Importa hoje, em uma sociedade imediatista, saber o resultado. Não se dá nem os primeiros passos e já se busca conhecer o resultado. Observe a si próprio, fiz apenas uma introdução, e você já deve ter pensado : onde esse “cara” quer chegar?

Tudo bem, tudo bem, tentarei ser mais conciso. Perceba que não é só nos livros que ignoramos a introdução, na vida também fazemos este absurdo, o que é ruim para qualquer pessoa, porém, para o profissional do Direito, é um completo desastre.

A introdução é saber onde tudo começou, saber qual foi a motivação do fato e qual o objetivo da criação da coisa. Percebe que na vida, muitas vezes erramos por não saber os “motivos” ou os “interesses” das coisas. Gostaria então de lhes dar uma pequena introdução do que é o dia 20 de novembro.

Novembro é o MÊS DA CONSCIÊNCIA NEGRA, para este termo, cabe uma breve introdução. Ocorre que durante um dos capítulos mais vergonhosos de nossa história, adotamos a escravidão de um povo como base econômica e para a manutenção deste sistema, foi criado um processo cruel onde se pretendia tirar a identidade da população negra. Foram proibidas a dança, a língua, a arte, os cultos religiosos e tudo mais que lembrava a identidade daquele povo. Até os nomes Africanos foram trocados e as famílias foram separadas para que não pudessem se organizar, ou seja, além da liberdade queriam tirar-lhes também a identidade, a consciência de quem eles eram. Nesta luta para conservação da consciência e retorno para a liberdade, destacou-se ZUMBI, o grande general do Quilombo dos Palmares, que por esta luta foi morto em 20 de novembro de 1695.

Viu como é importante a introdução, você acaba de ser introduzido no maravilhoso mundo da IGUALDADE, lembramos do 20 de novembro como o dia que um mártir morreu por querer um Brasil igualitário, por querer um Brasil livre. Aliás, voltando ao Direito, hoje esta na nossa Constituição, como princípio maior, o direito a Liberdade, assim como o direito a Vida, o Princípio da Isonomia (todos somos iguais) e quem sabe um dia, algum jurista (pode ser você) ira propor o direito a Consciência Humana, que trará em sua redação legal, que “todos tem o direito de saber e manter suas origens na forma de costumes, tradições, língua e qualquer outro meio legal”,ou simplesmente “DIREITO A INTRODUÇÃO”, é algo a se pensar.

Pra finalizar, lembrarei o início da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, nesta introdução histórica, citarei seu primeiro Presidente, o Sr. Dr. Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, médico e advogado negro, que foi fundador da OAB. Abolicionista, defendeu juridicamente e de forma implacável a libertação de todos os escravos brasileiros sem nenhum tipo de indenização para os seus detentores. A introdução é assim, nos traz para o mundo das informações completas e nos afasta pra sempre do vale da ignorância. Imagine que absurdo um associado da OAB declarar-se preconceituoso ou mesmo racista. É claro que esta controvérsia não ocorre, mas se acaso ocorrer, pode ter certeza, é falta de uma boa e completa INTRODUÇÃO.

***Helton Fesan é advogado, dramaturgo e escritor.

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M E N S A G E M. D O. F A L C Ã O

O barulho de tiros é ensurdecedor, ergo minha cabeça pra fora da trincheira e tento vislumbrar o horizonte. Olho só o suficiente pra constatar que o reforço ainda não veio -Onde será que estão?

Volto à posição e dou Graças a Deus de ainda estar vivo. Perto, mas muito perto mesmo, eu sei que meu inimigo aproveita minha pausa, repete meus movimentos e refaz a minha pergunta - Onde estão?

Daqui a pouco, por um imperceptível momento, Deus vai ficar confuso por receber a mesma prece, do mesmo lugar, enviada pelo meu inimigo espelho que tá enfiado na trincheira ao lado. Mas guerra é assim mesmo...

Há anos esperamos uma força de paz, enviada do “Lado que Tudo Tem”, mas ela não vem. Alguns dizem que estão analisando, buscando soluções inteligentes e viáveis pra nossa guerra, o que, segundo análises, não é fácil.

Outros, eu incluso, acham que eles não mandam providências por que não se importam, não é da conta deles...Sem falar, que a guerra dá sangue, mas também dá lucro.

Alguém do “Lado que Tudo Têm” deve tá lucrando ou as providencias já teriam chegado. Temo que enquanto a divisão for o sangue nosso e o lucro deles, a força de paz não chega.

Faz algum tempo, nós, meu inimigo espelho e eu, estamos tentando desequilibrar a balança deste trágico custo benefício. A idéia é simples: derramamos o sangue do “Lado que Tudo Tem”, pegamos um pouco do lucro dessa violência e esperamos que assim torne-se mais atraente a idéia de se promover a paz. É dar um pouco de inspiração às “soluções inteligentes e viáveis”.

Por enquanto, só conseguimos mais sangue, nenhum socorro.

Recentemente resolvemos eleger um mensageiro, alguém neutro, que fosse do nosso mundo e conhecesse tanto o meu inimigo espelho quanto eu, ou seja, um “Porta-voz”.

Achamos o homem, ex – soldado de codinome “MV Bill”.

Primeiro, trocamos mensagens entre os nossos, meus e do meu inimigo espelho, e tentamos negociação de paz, mas ela não veio.

Então o porta-voz enviou mensagem de socorro para o “Lado que Tudo Tem”:

“Nós, soldados do morro, traficamos informações através de nosso porta-voz. Declaramos Guerra.”

ps: Muito Soldado Morto.

Nenhuma resposta foi enviada, indagamos ao porta-voz o que havia de errado com a mensagem?

Eles não entendem, na verdade nem nos ouvem! Rap não é coisa deles...

O Porta-voz disse-nos então haver outro meio. Uma linguagem bem conhecida deles, mas ainda estranha a mim e meu inimigo: “Cinema”.

No começo duvidamos. O tal do cinema é imagem, e as imagens de nossa guerra já são mais que conhecidas, então, o que faria de diferente esse tal cinema? Pelo sim, pelo não, arriscamos.

Nosso porta-voz também não conhecia o tal cinema. Tinha que aprender com gente do “Lado que Tudo Tem”, que não é o dele, que não é o nosso.

Havia gente do lado de lá, que se interessou em ajudar (lembra da história do sangue x lucro).

Esse tal cinema nos estranha. É muito nome, muito tipo, muito esnobe e, principalmente, muito caro. Mas isso é lá com o “Lado que Tudo Tem”.

O nome do filme foi “Falcão: meninos do tráfico”, mas poderia ser “Soldado Morto”.

O “Lado que Tudo Tem” exibiu nossa mensagem no melhor dia, no maior canal, no melhor horário. Todos eles entenderam o que dissemos. Não que o nosso dialeto cinema fosse do mais fluente, mas dava pra entender.

Por enquanto o socorro ainda não veio.

Eu e meu inimigo espelho não perdemos o medo e nem paramos a guerra. Continuamos entrincheirados, atirando um no outro e mandando recados duplicados para Deus (Nossas mães que o digam).

Nosso Porta-voz continua buscando parcerias e aprendendo novas maneiras de dizer o que é preciso ser dito, mais que isso, maneiras de ser ouvido - é um bom soldado...

O tal cinema nos interessou, talvez mandemos mais mensagens.

Mas, agora que já avisamos e que sabemos que o “Lado que Tudo Tem” entende o que dizemos, os próximos filmes poderão ser “documentários noirs” (tudo real, feito em preto e branco, com crime e violência, mas sem a mulher fatal).


***Helton Fesan é advogado, dramaturgo e escritor.

3 comentários:

Anônimo disse...

O mês de novembro precisa ser lembrado e compreendido por todos os cdadãos brasileiros. Zumbi e a causa negra não é um assunto dos afro-scendentes, é assunto do povo brasileiro.

Anônimo disse...

Fesan...uma das melhores habilidades dos novos escritores é perceber a ausência de significado que muitas coisas perdem com o passar do tempo. São feitas desta ou daquela forma simplesmente por que são feitas desta ou daquela forma. O fato de atentar para a problemática da introdução ergue em mim uma introdução de coisas mau explicadas na nossa história. E o 20 de novembro é uma delas. Principalmente, porque é a introdução de algo ainda marginal. É triste constatar o regresso permanente da nossa história. Pouco avançamos, porque pouco resignificamos. Quem sabe propoe uma nova introdução? Parabéns pelo saque. Sinal de atenção aos novos desafios da linguagem e da escrita.

Helton Fesan disse...

Olá, impressionante como certos temas não envelhecem, ou apenas não saem da introdução... Infelizmente é atual aquilo que já devia ter sido superado. E la nave vá...obrigado