segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Uma rapidinha em pleno domingo de carnaval

Li na coleção Caros Amigos Os Negros (fascículo 05, resistência e rebeliões II) o artigo Escravo Passivo é Lenda por Joel Rufino dos Santos, começava assim:

“Deu no jornal gaúcho Echo do Sul em 19.2.1862:

'Suicídio. Na segunda-feira suicidou-se asphixiando-se no poço da casa a escrava do Sr. José Vicente-Thibaut, diretor do colégio S. Pedro. O motivo do suicídio foi o fato dela achar-se inteiramente corroída de doenças ocultas. O Sr. Thibaut havia comprado essa escrava a menos de 15 dias n’um leilão onde lhe havia sido afiançado qu’era sã e jamais tinha sofrido senão d’um panarício (inflamação em torno da unha). Muito embora esse desengano fosse muito cruel tratou elle de sua escrava como todo o desvelo... A preta fora escrava do Sr. Dr. Menezes que a mandou vender em leilão com a declaração que não sofria senão d’um panarício; a própria escrava declarou que seu senhor a obrigava com ameaças de sova, se não fosse vendida, a declarar no leilão que não era doente. ’

Ela resolveu o seu problema num poço: deixou de ser objeto. E legou um problema para cada amo: para o Sr. Thibaut, dono de colégio, prejuízo; para o Dr. Menezes, fama de vendedor desonesto... A escravidão acabou. Mérito dos que se jogaram em poços, morreram quando era pra viver conversaram quando era para trabalhar... Escravo passivo é lenda brasileira.”

Tenho lá minhas reservas quanto ao fascículo como um todo (quero ver toda a coleção, achei esse muy fraco), mas essa já é uma outra conversa. Uma coisa é fato: negros e negras continuam lutando e resistindo. Ao abrir o Jornal A Tarde de hoje, em meio aos paetês e fru-frus do carnaval (até Camille Paglia veio para o camarote de Daniela), li um artigo do jornalista Flávio Costa que decidiu viver na pele um dia como catador de latinhas em pleno carnaval soteropolitano. Flávio (negro e rasta) passou quatro horas invisível, apesar de ser visivelmente um homem bonito. Não conseguiu sequer um sorriso da mulherada no circuito Barra-Ondina.
Nossos poços não estão mais nas casas dos senhores, ganharam formas e endereços diversos – e na maioria das vezes o poço é fundo, quando se tem fundo. As rebeliões nas sinaleiras e bairros nobres continuam mudas ou sussurrantes, já as rebeliões nas periferias da cidade são ensurdecedoras. O ‘oba-oba’ do carnaval abafa qualquer notícia; diariamente nos circuitos da festa tem alguém se suicidando num "poço", mostrando do único jeito aparentemente possível que uma mudança é necessária e que existe bem mais do que um ‘panarício’ a ser tratado. Atualizando e parafraseando o autor: Escravizado passivo é lenda brasileira.

2 comentários:

Anônimo disse...

acontece que poucas coisas nos são dadas de bandeja, uma dela é um poço. o poço dos que, sem parecer ter opção e orientação, nascem e rumam a passos largos em direção a ele. fico triste em dizer que muitos o alcançam com um sucesso e perfeição impressionante; tiro pela minha quebrada, dos moleques de 12 aos tiozinhos de 19( já está idoso pro ramo), se entregando ao trafico e pondo a culpa no governo, um certo dia estava conversando com um dos meus "vizinhos" e ele me disse: ' 400 conto eu tiro em uma semana e meu guri vai viver de que rasta?, minha mãe vai pagar o aluguel como rasta? vei eu só tò fazendo o seguro do meu pivete". morreu semana passada com cinco tiros, e de fato deixou dois itens de herança, para um é o seu lugar na boca da ponte este ocupado agora pela sua ex esposa, e para o seu muleque de 4 anos, deixou um poço que provavelmente será tres vezes mais fundo que o convencional. lembro-me com muita tristeza em dias de dificuldade em casa quando minha mãe falava "ô meu filho fazer oque? entrega nas mãos de Deus". Talvez fosse mais facil remar rumo ao poço mas esse Deus de quem minha mãe fala tinha outros planos pra mim. desculpa dona Chica mas tive que lhe desobedecer.

Anônimo disse...

Até a feminista Camille Paglia? Será que ela viu que a carne mais barata do mercado é a mulher negra? Será que isso entrará em algum artigo ou livro? Vou ficar de olho e qualquer movimento vou pedir para postar aqui.