terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O Tocha


Quando comecei a me interessar por reggae, achava que Peter Tosh era um mero coadjuvante de Bob Marley. Eu não tinha noção da potência do cara.

No início da década de 60, Peter Tosh, Bunny Wailer e Bob Marley se reuniram e formaram os Wailers, banda que tocava em ritmo de ska, com melodias de blues e soul. No final da década, com um estilo mais consistente, depois de muito nayambing, eram os precursores do movimento reggae na Jamaica.

A banda era fantástica. Tinha um dubby fenomenal de baixo e bateria executado por Family Man e Carlton Barret, enquanto os três vocais detonavam nas melodias, com coros e vozes em terças e quintas que se respondiam. Tosh, quando fazia voz principal, cantava com um timbre grave. Um canto peculiar que além de grave era swingado e bluezeiro. Na guitarra, tinha um estilo percussivo fazia arranjos com células rítmicas.

No início da década de 70, depois de vários sucessos gravados e desentendimentos, os cantores decidiram fazer carreira solo. Tosh assumiu a titularidade do microfone e lançou o seu primeiro álbum Legalize it em 74. Estava iniciada a carreira solo de um dos cantores mais irreverentes que já se viu.

O Tocha era aquele indivíduo que incomodava as autoridades. Subia no palco com roupas e apetrechos simbólicos como cruzes, mantos e bengalas, sempre mostrando sua indignação com o sistema. Acendia um beque no palco enquanto cantava lindamente seus protestos.

Por sua irreverência, freqüentemente se envolvia em confusão. Sofreu três atentados na década de setenta, foi preso e brigou várias vezes. Tosh que além de não se curvar era bom de briga, faixa preta de Karatê. Tinha um biótipo de uma pessoa magra e forte. Não levava desaforo pra casa. O arquétipo de um filho de Ogun. Foi assim sua vida toda até o dia de sua morte em 1987 quando foi executado em sua casa com tiros no peito e na cabeça, depois de já ter participado até de movimentos de guerrilha na África no início desta década de 80.

O canto de Tosh trazia toda essa vivência à tona. Não era só a mensagem da letra, mas também o jeito vigoroso de cantar. O como se diz.

Há três anos vi um vídeo de Peter Tosh apaixonante de um show que ele fez em Los Angeles já no final de sua trajetória. Quarentão, com uma banda afiada, ele estava com todo gás. Com a mesma irreverência de sempre, cantou músicas fortes com mensagens que diziam um pouco do seu espírito. “Everyone is crying out for peace, none is crying out for Justice.”
*Tangre Paranhos é compositor e integrante da banda Folha de Chá. É também advogado e estudante de jornalismo da Universidade Federal da Bahia

5 comentários:

Sócrates Santana disse...

O texto do velho Tangre sempre foi atraente. E gostei, especialmente, de aprender com ele (o texto), pois, sempre tive a mesma impressão do Peter. Meu irmão também montou uma banda de reggae chamada Raiz da Vida e volta e meia troco informações com ele (inclusive, junto ao violão). Gosto muito do baixo do meu irmão, mas ainda não vejo harmonia no grupo. Enfim. Vida longa para Tangre, Bob e Tosh. Um abraço!!!

Sócrates Santana disse...

...só para registrar. Não tem muita relação com o reggae, pois, como dizem os meninos da banda Raiz da Vida, "reggae é vida". Mas, vale falar que vou iniciar uma campanha pela legalização dos entorpecentes e derivados, mas com o objetivo de acabar com esse hábito terrível da classe média só pensar em si. Nem tudo em Tropa de Elite é pirotecnia. E ainda que apoie o regime de Hugo Chavez, e compreenda que grupos como Al - Qeda, FARCS e demais são instrumentos de contraponto ao império estadunidense, não posso alimentar que o tráfico continue matando tanto. Em Angola, que viveu uma guerra civil durante 30 anos, morreram menos pessoas que no Brasil nos últimos 27 anos. Perdi - só esse ano - três amigos envolvidos com o tráfico de drogas. E nenhum desses amigos eram filhos de papai. Eram jovens, pobre e negros da periferia. Ando muito irritado com amigos que usam entorpecentes. Sabem do efeito dominó que a droga tem, porém, continuam por de trás de filosofias desconectadas com a nossa realidade para justificar um prazer individual.
Como todos sabem, não gosto de meia palav...

Guellwaar Adún disse...

Sem dúvida alguma, o texto de Tangre narra uma das característica fundamentais do Reggae e que atualmente encontra-se esquecida pelos chamados regueiros brasileiros, salvo raríssimas excessões: a simbiose entre arte e consciencia política.
Thomas Mapfumo e Peter Tosh foram os que primeiro me atraíram para esse ritmo africano-caribenho e guerreiro- ambos vinculados a realidade política de seu tempo.
Parabéns, Tangre, tá massa o Tocha.
Gosto do comentário do Mestre Sócrates e concordo. Também perdi dois ex-alunos nesse ano. Pasmem, o ano ainda nem começou e a polícia já deu conta de várias vidas que estavam brilhando nos palcos e escritórios da vida. Ambos Negros e pobres confundidos com traficantes de drogas. Curiosamente, eles dizem isso como se fosse constitucional matar pessoas, caso sejam traficantes.
Tô muito injuriado com os policiais, mas não posso deixar de dizer que a playbozada do consumo, descompromisso e alienação me deixa simplesmente retado.

Ler o Mundo História disse...

Tem uma cena em a lenda do Will Smith que ele conta uma história do Bob Marley, quando ele levou tiros antes do show da paz e dois dias depois estava em cima do palco.
Ao ser perguntado como naquelas condições ele estava lá dando o show, ele respondeu: quem quer esse mundo pior não descansa, então eu também não posso descansar.
Vc acha que o velho Marley se juntaria com quem não fosse do mesmo calibre de luta?

É por aí parceiro, é por aí...

Textos ao Vento disse...

Ainda lembro do Tangre, sim. Foi meu aluno lá nas FJA, e já era um cara diferenciado. Agora pude ver que o texto dele é consistente e engajado, do jeito que eu gosto...Quanto à ponderação de Soul, permita-me discordar, mas o tráfico mata não pelo efeito das drogas, mas sobretudo pela disputa por lucros. Tem que legalizar e discriminalizar a maconha, sim! Afinal de contas, queria muito saber em que época da humanidade o homem deixou de usar algum tipo de droga? Sempre, e até hoje, inclusive com as que "descem redondo"...E quanto aos "prazeres individuais", já dizia o grande Alberto Camus no seu Míto de Sísifo, "Do meu gozo pra dentro arbitro eu". O problema da classe média (iocre) é que ela é hipócrita e acha que é o Estado que deve organizar as "gozadas" individuais. Vamos entender o problema fora da ótica dos preconceitos simbólico-religiosos. A maconha, por exemplo, sofre preconceito porque é de origem africana e para cá foi trazida por escravos, apenas isso. Se faz mal? Qual a droga, lícita ou ilícita, que, pelo menos, um mínimo mal não faça ao organismo? E outra: legalizando a maconha se quebra as pernas do narcotráfico, pois é a droga mais consumida e, via de conseqüência, é o capital-de-giro para o crime organizado...A questão é que a sociedade é conservadora...E quantos setores da polícia e do Judiciário não perderiam com o enfraquecimento do narcotráfico? O resto é papo da CIA e da doutrina antidrogas estadunidense....